sábado, 30 de outubro de 2010

Eu sei o que você comeu no Jurássico passado!

Como os paleontólogos sabem reconstruir a dieta dos animais extintos? Conhecendo apenas os dentes de um animal extinto, é possível saber o que ele comia? Se um animal extinto é parente de um animal atual, posso afirmar que os dois têm o mesmo tipo de alimentação? Essas e muitas outras questões você vai ver nesse post!
Reconstruir dietas de animais através de seus fósseis nem sempre é uma tarefa fácil. Claro, quando você encontra um crânio assim:




















Ou assim:













...fica meio óbvio deduzir qual o tipo de alimentação o animal possuía (comumente, a carnivoria em répteis leva a um formato "padrão" de dentição, chamada de zifodonte; são dentes recurvados para trás, com serrilhas, para facilitar cortes de bons pedaços de carne). Mas, e quando são encontrados apenas os dentes fósseis, isolados? Ou apenas um fragmento do crânio? Ainda dá para saber qual o tipo de alimentação do animal? Por exemplo, caro leitor, se você encontrasse qualquer um desses dois dentes fósseis:













O que você diria sobre eles? A que tipo de animal eles pertenciam? Se você fosse dar um palpite, qual o tipo de alimentação você acha que tinha o animal com o dente "A" e o animal com o dente "B"? (enquanto você pensa no assunto, segue o post! No final dele, você terá a resposta sobre o tipo de alimentação de cada um dos animais acima).

Enfim, muitos mistérios sempre rondam a Paleontologia, principalmente pelo fato de que não podemos observar os animais vivos. Mas, como todo bom cientista é inquieto e tenta obter o máximo de respostas possíveis através da observação da natureza, os paleontólogos não fogem à regra e fazem um verdadeiro "CSI" do passado. Para tentar descobrir qual o tipo de alimentação de um animal extinto, existem muitas evidências que podem ser coletadas e analisadas. Vamos à elas:

1) Coprólitos

Nada melhor para saber o que alguém come do que olhar diretamente nas...bem...fezes do sujeito. Agora, vocês acham que algum cocô de um dinossauro conseguiu ficar preservado por dezenas de milhões de anos? Pois é, conseguiu. Quando isso ocorre, damos o nome de coprólito (traduzindo do latim, fica algo como "cocô pedra"). Existem coprólitos de diversos tamanhos, formas e com os materiais mais variados possíveis imersos. Analisando esses fósseis, os paleontólogos conseguem obter uma boa evidência direta da alimentação desses animais, através de restos de alimentos e de sua composição química.

Se um dia você tiver seu cocô enterrado, ele fossilizar e durar milhões de anos, provavelmente ele vai ficar com uma "cara" assim:










Eca! Pelo menos, todo o mau cheiro terá indo embora há milhões de anos, e seu coprólito ficará com a consistência, textura e odor de uma rocha.

2) Conteúdo estomacal

Coprólitos, apesar de serem uma boa evidência fóssil de alimentação, traze um certo problema aos cientistas. Como saber qual animal deixou aquele resto? Dificilmente você irá encontrar um esqueleto associado diretamente a um coprólito, o que torna difícil saber de "onde" saiu aquele cocô.

Isso não acontece quando você encontra restos de alimentos diretamente na barriga de um esqueleto fóssil, justamente no local onde ficaria o estômago do bicho. Apesar de raras, já foram publicadas algumas descobertas nesse sentido, inclusive com um animal brasileiro: o réptil extinto chamado mesossauro. Em alguns fósseis de mesossauro, foi possível observar restos de crustáceos em seu conteúdo estomacal, um excelente indício direto de alimentação!

Mas, quando não é possível avaliar diretamente o que um animal comia, ainda temos as evidências indiretas:

3) Morfologia geral e biomecânica do esqueleto

Olhando para um esqueleto fóssil, mesmo que não possamos ver o animal vivo, ainda podemos fazer correlações com animais que vivem atualmente. Animais carnívoros, por exemplo, podem apresentar adaptações como: olhos à frente do corpo, garras e dentes especializados para captura, articulação mandibular para uma mordida forte e letal, etc. Animais herbívoros, por outro lado, podem apresentar adaptações como: olhos laterais ao corpo, estruturas de defesa (chifres, presas, "armaduras"), adaptações para uma fuga rápida, etc.

Ao avaliar diversos aspectos do esqueleto fóssil, os paleontólogos podem inferir qual o design biológico funcional do animal, o que sempre ajuda a entender como era seu modo de vida e, consequentemente, sua paleodieta.

4) Morfologia dos dentes

Os dentes são os "instrumentos de trabalho" mais importantes para a alimentação na maioria dos vertebrados. Existem dentes para as mais diversas funções: cortar, amassar, triturar, quebrar...e para cada função há um design dentário específico (embora diferentes designs possam servir para uma mesma função).

Analisando o formato, a proporção entre os lados (se o dente é mais "fino" ou mais "gordo"), sua orientação (se está voltado para frente, para trás ou para algum lado), etc, podemos ter uma boa noção de sua função (o que já é meio caminho andado para descobrir a dieta de animais extintos). Outro detalhe importante é a presença de dentículos, pequenas projeções dos dentes (como se fossem dentes em miniatura) que ajudam a processar o alimento. Os dentículos são comuns, por exemplo, entre os dinossauros carnívoros, como podemos ver na imagem abaixo:











Analisando o formato, tamanho e o espaçamento entre os dentículos, também conseguimos mais uma evidência para tentar descobrir sua função na alimentação dos bichos extintos.

5) Desgaste no esmalte dentário

O esmalte dentário é a camada mais externa dos dentes, que fica exposta ao stress e desgaste da alimentação. Por ser uma estrutura mineralizada, o esmalte possui uma resistência altíssima (o que permite uma mastigação e mordida potentes), mas não é invulnerável ao desgaste. Frequentemente, ele sofre rachaduras, quebras e arranhões, mas não vemos a maioria deles por serem numa escala microscópica (quando vemos num microscópio eletrônico, por exemplo, um dente atual ou fóssil, fica bem evidente todo esse desgaste, como na imagem abaixo).














Observando o desgaste do esmalte nos dentes fósseis, podemos ter uma boa noção da consistência do alimento processado pelo animal em vida (alimentos mais duros, como ossos, conchas e exoesqueletos de invertebrados, por exemplo, tendem a produzir um desgaste mais "violento" no esmalte dentário do que alimentos mais "macios").

6) Microestrutura do esmalte dentário

O esmalte dos dentes é formado pela sobreposição de vários cristais (no nosso caso, de hidroxiapatita). Dependendo da maneira como esses cristais estão dispostos na microestrutura do esmalte dentário, seu arranjo poderá ser mais forte ou mais fraco, e esse arranjo determina diretamente a função que o dente irá cumprir no animal. Fazendo cortes anatômicos em dentes fósseis, podemos analisar essa microestrutura e inferir a função que aquele arranjo poderia cumprir no dente do bicho.


















7) Análise de isótopos específicos na composição química dos dentes
Por fim, um método mais moderno utilizado para descobrir como eram as paleodietas dos animais extintos é a análise de isótopos específicos na composição química dos dentes. Através dessa análise, é possível descobrir a origem de alguns elementos químicos (como carbono e nitrogênio) e, a partir daí, inferir qual tipo e alimentação (principalmente para os animais herbívoros) e coletar dados sobre o modo de vida desses animais.


Como você pode observar, caro leitor, existem diversas metodologias para descobrir o que os animais extintos comiam. Olhar para os animais atuais ajuda, mas não resolve tudo (por exemplo, atualmente todos os crocodilos são carnívoros, mas já existiram crocodilomorfos onívoros e até filtradores). Somente avaliando cada dado coletado, observando minuciosamente cada detalhe e cada pista do passado, podemos descobrir com mais segurança como eram as dietas dos animais que viveram na Terra há milhões de anos atrás.

Todas essas metodologias citadas fazem parte de uma área da ciência chamada de morfologia funcional, ou seja, o estudo que tenta descobrir a função de alguma estrutura biológica através de sua anatomia. Esse estudo é particularmente importantíssimo para a Paleontologia, tendo em vista que podemos utilizá-lo para descobrir como era o modo de vida dos animais extintos.

Espero que você tenha gostado do post!

Ah, já ia me esquecendo! Lembra da "charada" lá em cima, nesse mesmo post, sobre os dentes "A" e "B"? E então, você conseguiu deduzir qual a função de cada dente, e como era a alimentação daqueles animais? Pois bem, aí vai a resposta:

--> Os dentes mostrados na figura "A" pertencem a um anquilossauro, um dinossauro herbívoro fortemente armado, considerado como um "tanque de guerra vivo". Veja mais sobre ele aqui.

--> Os dentes mostrados na figura "B" pertencem a um mosassauro de gênero Globidens, um parente mesozóico das cobras e lagartos atuais, que era carnívoro e se alimentava de moluscos com conchas duras e resistentes. Veja mais sobre ele aqui.

E aí, você conseguiu acertar alguma delas? Percebeu como nem tudo o que parece é? Pois é, na Paleontologia somos surpreendidos a todo momento. Esteja preparado para isso caso deseje se tornar um paleontólogo também!

Até a próxima!

O que vem por aí? Prévia do post da próxima semana

Jóias da Paleontologia
Os fósseis são surpreendentes por si só, mas foram descobertos alguns fósseis especialmente surpreendentes na história da Paleontologia? Você já viu o fóssil de um réptil dando a luz, ou o fóssil de dois dinossauros que morreram brigando entre si? Se quiser descobrir quais foram alguns desses achados mais fantásticos já descobertos, então não perca o próximo post do blog "Quero ser Paleontólogo!"!

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